Documento do IBRACON deve impulsionar o uso mais amplo desta tecnologia no Brasil.
O concreto permeável é uma solução para pavimentação muito alinhada às demandas atuais por sustentabilidade e resiliência urbana. Esse tipo de pavimento colabora com a drenagem urbana ao reter temporariamente pequenos volumes de água, diminuindo a velocidade do escoamento superficial e a ocorrência de inundações.
Embora não seja uma novidade — os pavimentos de concreto permeável são utilizados nos Estados Unidos desde os anos 1970 — o Brasil ainda carece de normalização para permitir o aproveitamento pleno desta tecnologia. A publicação recente de uma Prática Recomendada (PR) pelo Instituto Brasileiro do Concreto (IBRACON) representa um passo importante para reduzir esse gap.
Neste bate-papo, a engenheira Andréia Posser Cargnin revela mais sobre o processo de elaboração da PR e sobre os impactos esperados por essa publicação. Doutora em Engenharia de Transportes pela Poli-USP, Andréia coordena o Comitê Técnico (CT 306) Pavimentos de Concreto no IBRACON.
Do que trata a Prática Recomendada Pavimento Urbano de Concreto Permeável moldado in loco? Qual é a sua abrangência?
Andréia Posser Cargnin — A Prática Recomendada traz informações e orientações técnicas sobre terminologia, aplicações, materiais, requisitos, procedimentos de dosagem e dimensionamento hidráulico, além de diretrizes de projeto estrutural, construção, inspeção e manutenção. Esse documento poderá auxiliar engenheiros projetistas, arquitetos e urbanistas no desenvolvimento de projetos mais sustentáveis e ecoeficientes, bem como estimular o desenvolvimento de políticas públicas para aplicação da tecnologia no Brasil.
Temos notado um interesse crescente por parte de algumas prefeituras pelo pavimento de concreto permeável. A que isso se deve?
Cargnin — Esse interesse está relacionado a uma série de benefícios do ponto de vista ambiental. Entre eles, a contribuição no manejo de águas pluviais, diminuindo o pico de jusante, reduzindo riscos de alagamentos em eventos pluviométricos intensos. Outra vantagem associada ao pavimento urbano de concreto permeável é a melhora da qualidade da água que chega aos corpos hídricos, devido ao processo de filtragem nos poros da estrutura permeável. Podemos citar, ainda, melhorias de conforto térmico urbano pelo aumento do albedo (reflexão da superfície), atenuando as ilhas de calor, além do aumento da evapotranspiração quando a estrutura está saturada. Trata-se de um material bastante atrativo para vias com baixo volume de tráfego.
Como se deu o processo de elaboração desta Prática Recomendada?
Cargnin — Em meados de 2021, assumi a coordenação do Comitê Técnico de Pavimentos de Concreto do IBRACON. Isso se deu durante a presidência do professor Paulo Helene e a direção técnica do professor José Tadeu Balbo. O comitê estava inativo e nossa missão era reestruturá-lo e iniciar os trabalhos de elaboração de uma Prática Recomendada. Em junho de 2022 começamos as reuniões de trabalho, definindo que a Prática versaria sobre dosagem, projeto, construção e manutenção de pavimentos de concreto permeáveis. A partir daí, um grupo de oito pessoas começou a redação conjunta. Conforme avançávamos, o texto foi sendo discutido, alterado e ajustado, contemplando sugestões dos demais membros do comitê. Quando finalizamos, antes de encaminhar para avaliação da diretoria técnica do IBRACON, o texto foi, ainda, discutido e aprovado pelos membros integrantes do CT-306. Todo esse trabalho durou aproximadamente um ano.
A Prática Recomendada congrega pesquisa acadêmica, indústria e ambiente de projeto e construção. Como foi essa integração?
Cargnin — No Brasil, os primeiros estudos sobre os pavimentos de concreto permeáveis foram feitos pela Escola Politécnica da USP, entre 2010 e 2013, paralelamente à Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Desde então, vários grupos de pesquisa de universidades de diferentes regiões começaram a estudar o assunto. O trabalho do CT-306 era reunir boa parte dos estudos desenvolvidos no âmbito acadêmico, trazendo para uma linguagem prática, adequada ao mercado de projetos. Além disso, quando pensamos na estruturação do comitê técnico, vimos a necessidade de integrar o ambiente acadêmico aos setores da indústria e projeto. Por isso, convidamos pesquisadores, professores, membros da indústria, tecnologistas de concreto e projetistas para que integrassem o comitê, agregando conhecimento técnico e experiência. O processo foi muito profícuo, com trocas de experiências entre todas as partes envolvidas no desenvolvimento deste texto técnico.
Na sua visão, quais são as principais aplicações do pavimento urbano de concreto permeável moldado in loco?
Cargnin — O pavimento urbano de concreto permeável moldado in loco é uma tecnologia atrativa para espaços públicos, como praças, passeios, calçadas de pedestres e áreas com baixo volume de tráfego. No entanto, há restrições de uso em vias de tráfego pesado, principalmente por conta da resistência do material. Para conferir o caráter hidráulico e permeável a esse tipo de concreto, a quantidade de agregado miúdo é muito pequena ou praticamente nula, de modo a criar uma rede de poros interconectados. Por isso, em comparação aos concretos convencionais empregados na construção de pavimentos, a resistência do concreto permeável é substancialmente menor.
Como deve ser a manutenção nesses pavimentos visando o melhor desempenho?
Cargnin — É importante ter em mente o inexorável processo de colmatação (entupimento) dos poros. Quando infiltra na estrutura permeável, a água normalmente possui partículas sólidas e matéria orgânica em suspensão, que vão se depositando nos poros e aderindo às paredes, causando o seu fechamento. Esse processo é ainda mais célere quando há presença de vegetação e árvores nas proximidades do pavimento. A manutenção preventiva para evitar a rápida colmatação é essencial para garantir um bom desempenho hidráulico ao longo da vida de serviço do pavimento. Essa manutenção periódica pode ser estabelecida com a programação de um cronograma de ensaios de monitoramentos periódicos para avaliação da capacidade hidráulica.
Após a publicação da PR, quais são os próximos passos? Há condições para a elaboração de uma norma técnica?
Cargnin — Quando há uma nova tecnologia ou material disponível, as dificuldades enfrentadas para a sua aplicação estão relacionadas às questões de normalização. A Prática Recomendada não é uma norma, mas um passo inicial para caminharmos para uma normalização do pavimento de concreto permeável moldado in loco. No Brasil há a ABNT NBR 16.416, que, apesar de conter algumas recomendações para pavimentos permeáveis, é mais voltada a pavimentos para blocos de concreto com infiltração pelas juntas. Essa norma é um tanto abrangente, não tratando de alguns aspectos relevantes relacionados a cuidados necessários para a dosagem e execução do concreto permeável. Mas, em breve, a Prefeitura Municipal de São Paulo colocará em consulta pública uma proposta de norma para pavimentos de concreto permeáveis moldados in loco. Esse documento poderá orientar, de forma objetiva e clara, o desenvolvimento de projetos e a construção de pavimentos de concreto permeáveis.