Entenda a importância da modelagem do ciclo de vida do pavimento

Atividade é fundamental na seleção da melhor alternativa para cada obra, tanto do ponto de vista técnico quanto do financeiro.

O planejamento do pavimento é a atividade que deve considerar todo o ciclo de vida do sistema, e não apenas a fase de construção. Tanto do ponto de vista técnico quanto do financeiro, inserir nas equações os cuidados pós-obra auxilia diretamente a escolha pela melhor solução.

“Hoje em dia estamos conseguindo introduzir nos projetos de pavimento de concreto esse tipo de conceito”, afirma Luciana Moreira Barbosa, gerente de engenharia da Dynatest Engenharia, lembrando que era bastante comum a cultura de olhar com maior atenção apenas para o investimento inicial.

Por conta dessa preocupação apenas com a construção, existia a crença limitante de que o pavimento de concreto era mais caro. No entanto, até mesmo tal alegação vem deixando de ser correta, visto que, recentemente, os custos de implantação da solução estão bem próximos do montante referente ao pavimento flexível — devido aos aumentos sucessivos no preço do cimento asfáltico de petróleo (CAP), que viu o seu custo total aumentar 4,2 vezes no período entre 2013 e 2022.

Além disso, considerando o futuro do pavimento, realizar a modelagem do ciclo de vida também é fundamental para o sucesso do plano de negócios. “Imagine uma concessionária que decide duplicar uma rodovia em pavimento de concreto. O investimento inicial será baseado no orçamento da obra. Entretanto, para o planejamento da manutenção do pavimento, será necessária uma indicação de como essa pista irá se comportar ao longo dos anos. E, para isso, o gestor precisará de dados históricos de pavimentos semelhantes que estejam disponíveis”, diz Luciana.

Ela continua: ”Então, digamos que a obra foi muito bem realizada em termos do parâmetro de irregularidade, atingindo um nível de excelência, como 1,9 m/km, por exemplo, e que para esse segmento a manutenção estava planejada para ser executada em 15 anos. No entanto, ao monitorar o pavimento ao longo da sua vida útil, percebe-se que depois de alguns anos o índice continua em 1,9 m/km. Assim, o gestor entenderá que não precisará investir no 15º ano e poderá realocar os recursos.”

A lógica é a mesma quando as irregularidades evoluem mais rápido do que se imaginava. Ou seja, com as calibrações a empresa pode adequar o seu plano à realidade.

Bancos de dados

Para que a modelagem do ciclo de vida do pavimento aconteça da melhor maneira, é preciso contar com um banco de dados confiável, com insumos de como o sistema rodoviário desempenha. Nesse sentido, um desafio no Brasil é o pouco histórico de acompanhamento do pavimento de concreto ao longo dos anos — resultando em menos informações sobre a solução se comparada com a grande quantidade de referências que existem no país para as construções em asfalto.

“Há dois anos, quando começamos nossos estudos para modelar o ciclo de vida de pavimentos de concreto, faltava um bom histórico das manutenções realizadas nesse tipo de pavimento no Brasil”, conta Luciana. Para mudar a situação, foram levantados dados de algumas rodovias com pavimento rígido, principalmente a BR-101 Nordeste, que tem aproximadamente 900 km de pistas em concreto.

“Analisamos como foi o desempenho ao longo de 10 ou 12 anos, dependendo de quando foi a implantação de cada trecho. Obtivemos dados reais de irregularidade, trincamento, ICP, entre outros para calibrar adequadamente as curvas do HDM-4, ferramenta usualmente utilizada para análise do comportamento do pavimento”, complementa a especialista.

A partir dos dados obtidos, foi possível modelar no HDM-4 as curvas de desempenho do pavimento de concreto, de forma a se estimar o que acontecerá ao longo dos anos. Porém, as curvas precisam ser constantemente calibradas a partir de informações de monitoração do pavimento, a fim de enriquecer o banco de dados e permitir modelagens cada vez mais próximas da realidade. Essa atividade é importante quando o gestor faz o planejamento do que irá investir e de quanto será o retorno, tendo uma perspectiva mais confiável e consolidada.

Outra informação necessária para a modelagem elaborada era a definição de soluções para cada tipo de defeito e seus quantitativos. Para tanto, foram analisados os projetos executivos de restauração de pavimentos rígidos realizados pela Dynatest Engenharia.

“Utilizamos projetos executivos trabalhados com a nossa experiência. Existia um pavimento de concreto que precisava de restauração, mas que não sabíamos como foi o seu desempenho ao longo do tempo. Porém, entendíamos como esse sistema estava naquele momento e quais as intervenções necessárias. Então, cruzamos as informações disponíveis nos projetos com o banco de dados de parâmetros do pavimento rígido, definindo a manutenção para cada tipo de gatilho que viesse a ocorrer. Assim, chegamos a uma solução e a um valor, tanto quantitativo quanto qualitativo”, detalha Luciana.

Como atingir o ciclo de vida previsto

Construir o pavimento de maneira adequada é essencial para que o seu ciclo de vida desenhado seja, de fato, alcançado. Além de fazer toda a diferença na durabilidade do sistema, essa etapa ainda proporciona maiores ganhos quando superada a qualidade prevista. Essa é, inclusive, a fase de maior risco executivo, justamente por ser a atividade mais complexa se comparada com o trabalho de manutenção. “A má execução compromete o projeto e o ciclo de vida, que será diferente do que foi inicialmente previsto”, adverte Luciana.

A especialista ressalta, porém, que se a obra contar com profissionais qualificados, equipamentos adequados e a atenção necessária quanto aos controles tecnológicos, o risco é reduzido. “O problema está em não fazer direito, e o ônus por isso é muito alto”, destaca. No caso da BR-101 Nordeste, por exemplo, várias empreiteiras atuaram em lotes diferentes. E o melhor deles foi aquele em que a construção ficou a cargo do Exército Brasileiro que, apesar de não ter experiência em realizar construções desse tipo, teve sucesso respeitando as boas práticas. “Não existe uma fórmula mágica, basta seguir a receita do que já deu certo”, complementa.

O monitoramento e a manutenção também são importantes, visto que o acompanhamento das condições da via permite ao gestor verificar se as intervenções deverão acontecer antes ou depois do previsto. Deixar passar o momento adequado de realizar uma obra de recuperação ou manutenção pode elevar de maneira considerável os gastos relacionados a essas atividades.

“É como se a curva de desempenho do pavimento fosse decaindo, até que em um dado momento essa queda é tão grande que se torna necessário investir até três vezes mais na obra de manutenção. Por isso, o gestor deve manter o constante monitoramento e acompanhamento da via para saber exatamente o período certo para realizar a intervenção”, explica Luciana.

Avanço do pavimento de concreto

Atualmente, por meio do modelo de Regime Diferenciado de Contratação Integrada (RDCI), o Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (DNIT) permite que as construtoras apresentem alternativas de solução e desenvolvam projetos diferentes do que foi licitado no nível de anteprojeto.

Com essa possibilidade, muitas empresas têm buscado a mudança para o pavimento de concreto e se especializado nesse sistema. Há hoje, também, um crescimento na quantidade de mão de obra especializada na execução do pavimento rígido e avanços em tecnologias e equipamentos.

Além disso, pela grande perspectiva do que está por vir nos próximos anos com as novas concessões e a procura no mercado por esse tipo de solução, a tendência é de uma movimentação ainda maior de empresas buscando se adequar na execução dessas obras.

Com o avanço da opção em concreto, vale destacar que a escolha por esse pavimento passa por uma avaliação técnica e econômica apropriada. “O avanço das discussões técnicas e o suporte vindo de especialistas dão segurança para que as companhias comecem a buscar por essa solução”, comenta Luciana.

A procura pelos estudos de ciclo de vida do pavimento de concreto está em alta em dois perfis diferentes de projetos. Por um lado, estão as construtoras que ganham o RDCI do DNIT e se preocupam, principalmente, se o investimento para a implantação desse pavimento é competitivo em relação ao asfalto. Afinal, não é essa empresa que fará a manutenção ao longo dos anos. Porém, é importante demonstrar ao DNIT se a solução será mais vantajosa durante toda a sua vida útil.

“O outro perfil é o das concessionárias, que costumam ter um olhar mais atento para todo o ciclo de vida do pavimento, pois farão a sua gestão por muitos anos. Essas empresas estão interessadas em soluções que minimizem investimentos e manutenções, pensando tanto na questão financeira quanto na operacional”, pontua a especialista.

Novas variáveis

Com eventos climáticos extremos cada vez mais frequentes nos últimos anos, o mundo está passando por mudanças. No Brasil, por exemplo, o ano de 2023 foi marcado por muitas ondas de calor. Essas novas variáveis precisam entrar no radar da modelagem do ciclo de vida dos pavimentos, afinal, influenciam diretamente no desempenho da rodovia.

No caso das vias em concreto, é possível considerar no dimensionamento qual o efeito da temperatura nas placas. “Essas variáveis que estão surgindo afetam mais o asfalto do que o pavimento de concreto. Mas precisamos estudar para entender o quão maior é esse impacto”, avalia Luciana. Isso porque os métodos de dimensionamento da opção flexível não levam tanto em conta tais variáveis. Outro parâmetro importante é a deflexão, que também atinge mais o pavimento asfáltico.

“As concessionárias têm trazido o questionamento de como a temperatura e a época do ano (seca ou chuvosa) impactam na deflexão do pavimento. Por consequência, qual a sua influência para o pavimento asfáltico. Já o pavimento de concreto não é muito afetado por essa questão”, conclui Luciana.