O trabalho, que tem início já na etapa de planejamento do pavimento, permite otimizar o investimento de recursos ao aprimorar a qualidade e a durabilidade da obra.
Graduado em Engenharia Civil pela Escola Politécnica da USP, em São Paulo, Paulo Ricardo Freitas Vicente se especializou na área rodoviária, atuando ao longo da carreira nas diversas frentes que compõem a Gestão de Pavimentos. Dentre suas experiências, vale destacar as atuações como: Superintendente de Pavimentos e Gerente Executivo de Novos Negócios no GRUPO CCR; Consultor de Engenharia para elaboração de estudos de novas concessões no IFC – INTERNATIONAL FINANCE CORPORATION; Diretor de Sucursal na TNM LIMITED, empresa de consultoria internacional especializada em engenharia e gestão de pavimentos; Gestor de Contratos e Projetos na DYNATEST ENGENHARIA, empresa ícone no setor de Pavimentos e desenvolvimento de Sistemas de Gestão de Pavimentos, e Especialista em Pavimentação na ARTESP – AGÊNCIA REGULADORA DE TRANSPORTES DE SÃO PAULO, dentre outras.
Atividade extremamente importante, o gerenciamento do pavimento começa antes mesmo da execução da obra ou concepção do projeto. Trata-se de um trabalho que deve existir desde o planejamento inicial, quando ocorrem definições sobre durabilidade, gastos com manutenção, se a via receberá asfalto ou concreto, entre outros. Nessa fase, também são estabelecidos os limites posteriormente acompanhados para aferir se a pista apresenta as condições esperadas.
“É como se desenhássemos um ‘mapa do tesouro’ que mostra o caminho a ser perseguido ao longo dos anos”, compara Paulo Ricardo Freitas Vicente, especialista em gestão de pavimentos. O correto planejamento é a base para a criação do projeto adequado e para a contratação da obra — quando é preciso deixar claros os limites para o recebimento e a qualidade do pavimento.
Definir assertivamente como deve ser o estado da via logo após a construção ser finalizada é fundamental. Afinal, se a qualidade estiver abaixo do especificado e nada for feito, o processo de gestão torna-se falho logo de partida. Por outro lado, caso as condições estejam melhores em relação ao que foi planejado, é possível que o pavimento apresente maior vida útil e melhor desempenho. Reduzindo, assim, custos com manutenções anteriormente previstas.
“Digamos que a expectativa era gastar determinado valor com intervenções daqui dez anos, mas percebi que nos três primeiros anos a via está durando mais. Se no quinto ano verifico que essa situação se mantém, já posso guardar menos dinheiro para a manutenção que será mais tarde”, exemplifica Vicente, lembrando que o bom planejamento também permite aos responsáveis pelo pavimento se preparar com antecedência para outros ajustes financeiros.
“O gerenciamento do pavimento ajuda nas tomadas de decisão, começando na verificação se você está aplicando a solução adequada. Porém, muitos profissionais não sabem disso e têm atitudes equivocadas considerando apenas os custos iniciais. Só que a maior parte dos gastos não está na construção, mas na vida em serviço do pavimento e nos seus efeitos, como a segurança do usuário, a interrupção no tráfego para obras e a credibilidade do empreiteiro”, fala Vicente.
Ainda segundo o especialista, é natural pensar que a gestão envolve somente cuidar do que está pronto. “No entanto, gerenciar é reconhecer como e para que a obra foi concebida. O gerenciamento funciona melhor se realizado desde o início, algo pouco feito no Brasil”, afirma.
Monitoramento do pavimento
Depois de o pavimento estar pronto, vem a fase de monitoramento, em que os parâmetros analisados precisam ser bem definidos. Além disso, a atividade deve ser realizada de modo que os dados captados sejam realmente comparáveis, por exemplo, não usando equipamentos ou metodologias diferentes a cada ano. Assim, é possível acompanhar se a evolução da via está de acordo com aquilo que foi inicialmente planejado — e, caso não esteja, o que fazer para ajustar a situação.
A realização das manutenções nos períodos corretos também faz parte dessa etapa de garantir vida útil do pavimento, cuidado que evita que a via se deteriore de modo que precise de intervenções que não estavam previstas. Qualquer trabalho realizado na pista, da mesma maneira que as informações captadas durante o monitoramento, precisam ser registrados para que nada seja perdido. Tais insumos são fundamentais para eventuais correções de rota ao longo do tempo.
“Preciso de um repositório para colocar as informações e ter facilidade para retirá-las e compará-las. Para cumprir essa função, temos os sistemas de gestão”, ressalta Vicente.
HDM-4
Criado pelo Banco Mundial, o HDM-4 é a principal ferramenta para análise a longo prazo de pavimentos. O software foi concebido com o objetivo de auxiliar países em desenvolvimento no melhor uso dos recursos provenientes dos empréstimos realizados pela instituição financeira. “Nações desenvolvidas conhecem os modelos, possuem poder de investimento e têm claro que na cadeia de gestão de pavimento é sempre melhor utilizar materiais com desempenho superior. Já nos países em desenvolvimento, temos que prezar pela eficiência”, diz Vicente.
A plataforma permite que sejam considerados o valor inicial da obra, como essa via vai desempenhar durante sua vida útil e quais serão os gastos com manutenções. O cálculo passa, também, pelo fato de o HDM-4 agregar dentro de seus modelos os custos do usuário. De acordo com Vicente, foi um grande impacto quando o software surgiu e conseguiu mostrar o montante que os motoristas iriam gastar para rodar naquele pavimento. “Não são apenas os valores economizados na construção, mas o quanto a sociedade ganha em eficiência”, ressalta.
De maneira detalhada, o software ajuda no cálculo de valores que envolvem a economia na manutenção do veículo que viaja sobre um pavimento melhor, o tempo perdido pelo usuário no tráfego, a quantidade de intervenções que precisarão ser realizadas, o período em que mercadorias permanecem paradas na rodovia por conta do trânsito, entre diversos outros.
O HDM-4 permite, também, que sejam levadas em consideração a redução de custos relacionada à diminuição de acidentes e perdas de vidas humanas em rodovias mais seguras. “Esse é um assunto em alta hoje, mas em 2016 já estavam sendo feitos trabalhos para a CCR que consideravam a redução dos custos sociais relacionados aos acidentes quando executo uma obra de qualidade”, conta Vicente, lembrando que a ferramenta ainda permite análises com melhoria de desempenho ambiental e de sustentabilidade.
“É uma plataforma muito poderosa e com vários focos, mas que ainda estamos engatinhando em seu uso. A maior parte dos trabalhos no Brasil só considera o quanto foi gasto no início e a durabilidade do pavimento. O modelo pode ser mais bem aproveitado”, analisa o especialista.
Em relação ao pavimento de concreto, as últimas versões do HDM-4 possuem bons modelos de desempenho — muito por conta de o desenvolvimento ter contado com a participação de órgãos como o Instituto del Cemento y del Hormigón de Chile (ICH) e as universidades chilenas, que têm largo conhecimento sobre o concreto. Vicente explica que a dificuldade para usar esse modelo no Brasil era trazer para a realidade do país os custos e as condições de conservação.
“Como no passado tivemos falta de investimentos em obras de pavimento de concreto, havia pouca experiência documentada sobre manutenção para que pudéssemos coletar informações e calibrar os modelos”, explica o profissional, indicando que a calibração do HDM-4, feita entre 2013 e 2018, esteve concentrada no pavimento flexível, que tinha mais dados para análise.
Entretanto, essa é uma realidade que está em transformação e temos, por exemplo, o Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (DNIT) investindo mais no pavimento de concreto. “Precisamos aproveitar essa oportunidade para criarmos uma documentação estruturada. Temos condição tecnológica e consciência para tal atividade, que proporcionará material robusto para aplicarmos em estudos e na identificação das melhores condições para usarmos um tipo de pavimento ou outro”, salienta Vicente.
Outras ferramentas
O HDM-4 é importante para análises, principalmente aquelas realizadas pelo gestor público que tem como foco o correto uso dos recursos da sociedade. Já no caso do setor privado, que procura investir com eficiência para ter o melhor retorno, existem outras ferramentas muito úteis. Conhecidas como sistemas de gestão, podem ser encontradas tanto no mercado nacional quanto no internacional. No entanto, são soluções ainda pouco aproveitadas nacionalmente.
“O HDM-4 é importante para que o gestor público veja de maneira mais holística se o recurso da sociedade está sendo bem utilizado. Agora, para fazer a gestão do dia a dia, talvez essa não seja a ferramenta mais amigável. Já temos outras opções mais simples que atendem para esse trabalho do cotidiano. Essas soluções estão começando a ser aproveitadas pelos gestores privados e concessionárias, sendo muito importantes nas análises”, compara Vicente.
Um desses sistemas foi desenvolvido pela Dynatest Engenharia e funciona também na homologação dos investimentos, ou seja, ajuda a mostrar para os responsáveis pelo capital — que não entendem de pavimento — se os recursos estão sendo bem alocados. Além disso, a ferramenta conta com uma derivada que foi concebida para atender ao Aeroporto Internacional de Guarulhos, mas que pode ser empregada no gerenciamento de pavimentos em qualquer outro terminal aéreo.
“Esses sistemas nascem para um cliente específico, mas, até certo ponto, as equações de desempenho ou toda a estruturação servem para qualquer obra. Há bons softwares no mercado, sendo apenas necessário buscar o que melhor se adapta às condições de cada empresa”, conta Vicente. Outras ferramentas do tipo usadas no Brasil são a Pavesys e a RoadRunner. Além disso, existem as alternativas internacionais, como a AgileAssets.
Profissionais especializados
O trabalho de gerenciamento de pavimentos demanda pessoas com experiência no tema e, de acordo com Vicente, esse profissional tem sido criado na prática. “Temos excelentes profissionais no mercado, mas que estão sendo desenvolvidos dentro das empresas que se especializaram e investem nesse aspecto”, informa.
Para ele, esse tipo de especialista será cada vez mais demandado devido à necessidade de análises realizadas de maneira mais holística. “Dando um passo atrás e olhando não somente a obra, mas toda a gestão para poder tomar as decisões de implantação”, ressalta.
Outra grande dificuldade é trazer para dentro das empresas o que é discutido na academia. “Nós temos os modelos e sabemos como aplicar. Falta, às vezes, informação ou experiência das companhias em fazer essa ligação entre o acadêmico e o prático. E o profissional que precisamos é justamente esse elo, que consegue enxergar o que está sendo aprendido na academia e trazer esses assuntos para aplicações na prática”, complementa.
Lidando com imprevistos
Fazer o gerenciamento do pavimento também é lidar com imprevistos que podem acontecer durante a vida útil da via. É o caso das ondas de calor, cada vez mais frequentes no país e que influenciam na qualidade do pavimento. Antecipar possíveis problemas como esses é outro ponto que faz parte da atividade de gestão. E o concreto está mais bem preparado para enfrentar a situação das altas temperaturas em relação ao asfalto — isso quando o material é trabalhado e especificado adequadamente, desde a fase de planejamento.
Caso uma área da pista em concreto fique exposta ao sol, a análise de risco tem que considerar essa condição mais severa. “Posso incorporar esse dado no meu projeto, que pode ficar um pouco mais caro, só que com melhor desempenho ao longo do tempo”, afirma Vicente. Já no caso do asfalto, tende a ser mais difícil garantir as condições para que o empreendimento não sofra com deformações sem que os altos custos envolvidos acabem inviabilizando o projeto.
Preterir possíveis imprevistos no gerenciamento do pavimento pode resultar em problemas futuros. Em dezembro de 2023, por exemplo, um avião ficou com o trem de pouso preso na pista do Aeroporto de Congonhas (SP) por conta de uma desagregação do asfalto. Situação semelhante aconteceu em novembro do mesmo ano, quando um pedaço do pavimento se soltou e atingiu uma aeronave durante o processo de decolagem no Aeroporto de Navegantes (SC). Ambos os casos, que interromperam o movimento nos terminais aéreos e causaram prejuízos, ocorreram porque o asfalto não estava devidamente preparado para suportar condições mais severas.
Inovações tecnológicas
Olhando para o futuro, o gerenciamento de pavimentos deve se tornar mais fácil com a chegada de novos equipamentos e materiais. É o caso do iPAVe, que aumenta a velocidade de realização de ensaios.
Se antes era preciso trafegar com uma velocidade média de 10 km/h para coletar dados sobre as condições estruturais da via, com essa novidade é possível ser muito mais rápido e chegar a 100 km/h. Já disponível no mercado nacional, a solução foi aproveitada com sucesso pelo DNIT em um primeiro trabalho.
Também tem crescido a busca por produtos que em seu ciclo de vida apresentem menor emissão de CO2, além de materiais que permitam manutenções mais eficientes, rápidas e baratas. Um exemplo são as placas de concreto pré-moldadas que já estão sendo utilizadas em países como Chile e Estados Unidos, mas que ainda não são aproveitadas no Brasil. Há no mercado, ainda, soluções concebidas para aprimorar o desempenho e a execução do pavimento.
“Se era importante fazer o básico, hoje temos muito mais ferramentas para conquistarmos resultados melhores. A gestão do pavimento sempre foi importante e factível, mas se tornará fundamental e com mais informações à sua disposição. Com sistemas, produtos e equipamentos, não tem por que não fazermos. Precisamos, agora, deixar claro para o mercado os ótimos resultados que o gerenciamento do pavimento traz para todos”, conclui Vicente.